julho 23, 2003

The Lurker e O Nome da Rosa (ou de como um livro perdido nas areias do tempo é resgatado)

A recente viagem ao Rio apresentou benefícios surpreendentes sob alguns aspectos. O encontro, como disse em outra ocasião, se realizou no Instituto de Matemática Pura e Aplicada - IMPA. O instituto tem, além de uma infra-estrutura interessantíssima, uma biblioteca de fazer inveja, tanto por seu sistema informatizado quanto pela qualidade do acervo.

No intervalo do almoço eu estava justamente passeando pelo programa de busca quando o Marcus entrou e sugeriu que pesquisasse pelo nome de um autor, famoso em nosso campo, que possui um livro especialmente difícil de se conseguir. Este em particular foi editado em 1968 e não teve reimpressões que se conheçam, eu procurei em Nova Iorque e em Paris, sem sucesso. A edição é rara, como se não bastasse.

Qual não foi, portanto, nossa surpresa quando, digitado o título do dito cujo a resposta foi positiva. Levantamos os dois, exclamando em voz alta e fazendo comentários de assombro e alegria genuína. Outros dois colegas se acercaram. E começaram a exclamar e comentar também. Neste momento, a bibliotecária já nos olhava assombrada: nunca vira tanta bulha por causa de um livro.

- Nós só vimos uma cópia (xerox) deste livro, uma vez, em Brasília - esclareci. - Mas o professor que tinha a cópia se recusou a nos deixar fazer uma outra.

Perguntamos então se poderíamos copiar o exemplar existente, ao que a bibliotecária, ciosa de seus deveres, recusou-se categoricamente.

- O limite para cópias de livros é de até 14 páginas - disse ela.
- Bem, neste caso, nós somos quatro, deve dar pelo menos 56.

Ela não pareceu concordar muito com a proposta, mas levou-nos até a prateleira onde estava o livro. É difícil explicar a sensação de encontrar uma coisa destas, mas diria que não é muito incorreto dizer que estávamos eufóricos. Voltamos com o livro, saindo da área reservada para a sala comum.

Para retirar o livro é necessário preencher a ficha de catalogação que o acompanha (como na maior parte das bibliotecas, diga-se de passagem). Quando puxamos a ficha, outra série de exclamações se seguiu. O único nome registrado, a única pessoa que jamais havia retirado o livro da biblioteca, era justamente nosso professor fominha! Os comentários que se seguiram terminaram por denunciá-lo inadvertidamente. Um detalhe para dar a devida dimensão ao fato: o livro, como mencionei, foi editado em 1968, adquirido pela biblioteca em 1982 e a única retirada (a dele!) havia sido em 1994.

Já estávamos conformados com as páginas a que teríamos direito e escolhemos nossos minguados e preciosos capítulos. Alguma coisa nos olhos da bibliotecária, entretanto, me dizia outra coisa. Pediu-nos que voltassemos no dia seguinte para que fossem cumpridos os ritos de praxe. Bem ela pediu, melhor nós executamos.

No dia seguinte, no mesmo horário retornamos para receber nossas páginas... apenas para receber uma cópia completa!

- Eu vi o quanto vocês precisavam - foi a explicação.

Ouvindo isso, só restou-me lembrar de William de Baskerville que, juntamente com Adso de Melk, adentra a biblioteca beneditina para resgatar o segundo volume da Poética de Aristóteles, o livro proibido de páginas envenenadas, que matava misteriosamente aquele que o lia:

"Uma Abadia é sempre um lugar onde os monges estão em luta entre si para se apoderar do governo da comunidade" - Humberto Eco (O Nome da Rosa - p. 153).

Isso parece igualmente ser verdade para a vida academica...

The Lurker says:"Rerum Novarum ex semel excitata cupiditate" (Encíclica Rerum Novarum - Papa Leão XIII)

julho 22, 2003

The Lurker e a moderna poesia argentina (ou calla y cojea)

Confianzas
Juan Gelman
(Relaciones)

se sienta a la mesa y escribe
«con este poema no tomarás el poder» dice
«con estos versos no harás la Revolución» dice
«ni con miles de versos harás la Revolución» dice

y más: esos versos no han de servirle para
que peones maestros hacheros vivan mejor
coman mejor o él mismo coma viva mejor
ni para enamorar a una le servirán

no ganará plata con ellos
no entrará al cine gratis con ellos
no le darán ropa por ellos
no conseguirá tabaco o vino por ellos

ni papagayos ni bufandas ni barcos
ni toros ni paraguas conseguirá por ellos
si por ellos fuera la lluvia lo mojará
no alcanzará perdón o gracia por ellos

«con este poema no tomarás el poder» dice
«con estos versos no harás la Revolución» dice
«ni con miles de versos harás la Revolución» dice
se sienta a la mesa y escribe

The Lurker dice: "(...) Cierra los ojos ante el viento/ que agita su pollera y/ sobre ella cae la vida continua." - Juan Gelman